Medicina é vocação.....

A arte de diagnosticar encanta muitos, mas poucos são os escolhidos para essa área tão brilhante e entediante..............

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domingo, 18 de abril de 2010

Ato Médico!!!!!!! Opnião do dr Rosinha

"Mais importante que estabelecer o
que vem a ser “ato médico” é garantir
a cidadania e o bom relacionamento
entre os diferentes profissionais
da área de saúde."


Um dia fui procurado pelo editor do jornal “Medicina Conselho
Federal”, para dar uma opinião a respeito do Ato Médico.
Provavelmente, nossas opiniões —minha e de outros—, serviriam
de balizamento para a direção do Conselho Federal de Medicina
(CFM) tomar alguma posição a respeito do tema. Dias depois, a
entidade emitiria a resolução de número 1.627/2001, dispondo sobre
o tema e gerando polêmica e debates.
Há uma tentativa de transformar esta resolução em lei (projeto
de lei 25/2002, do senador Geraldo
Althoff), o que ampliou
os debates e a polêmica. Parte
das lideranças médicas alega a
necessidade de uma lei para
definir o que é ato médico,
pois a lei nº 3.268 de 1957, que
dispõe sobre os conselhos de
medicina, seria antiga, e nela
não consta tal definição. Por
outro lado, as demais categorias
profissionais têm nas leis de
criação de seus respectivos
conselhos profissionais a definição
da sua competência.
Entendo que tais definições —ato médico, ato de enfermagem,
ato de odontólogo, etc.— não devem constar em lei, pois, para todas
as profissões, a lei pode significar um limitador, tanto para
mais como para menos.


Profissionais competentes, com senso de responsabilidade e autocrítica
(ainda que atributos difíceis de ser medidos), podem vir a
ter limitada, por lei, a sua ação. Ao passo que outros, não tão responsáveis
e competentes, podem se sentir com a possibilidade de
avançar em seus atos (com lei ou sem lei, já que são irresponsáveis),
mesmo que não tenham todo o conhecimento para fazê-lo.
Portanto, a menos que seja convencido do contrário, coloco-me
contra tal definição em lei, para qualquer profissão. No caso presente,
a categoria médica se tornaria uma espécie de “guardachuva”,
abrigando em seu interior todas as demais profissões ligadas
à área da saúde.
Mas como a polêmica, em si, é sobre ato médico, convido a todos
os profissionais da saúde —os médicos em particular— para
uma reflexão.
A definição de ato médico é uma tarefa difícil, pois são vários
os aspectos que devem ser levados em consideração. Aqui, aleatoriamente
e sem ordem de prioridade, relaciono alguns: ato médico
como preservação de mercado de trabalho e a sua relação com o
número de profissionais; ato médico como controle; ato médico
como recuperação da autonomia; ato médico e tecnologia; ato médico
e doença.
O projeto de lei 25/2002 reproduz praticamente o mesmo conteúdo
da resolução 1.627/01 do CFM. Em ambos, é nítida a intenção
de fazer o ato médico se sobrepor aos demais profissionais.
Definem, de maneira semelhante, o que seria ato médico: “todo
procedimento técnico-profissional praticado por médico habilitado
e dirigido para: I) a promoção primária, definida como promoção
da saúde e prevenção da ocorrência de enfermidade e profilaxia; II)
a prevenção secundária, definida como a prevenção da evolução
das enfermidades ou execução de procedimentos diagnósticos ou terapêuticos; III) a prevenção terciária, definida como a prevenção
da invalidez ou reabilitação dos enfermos”.
A intenção do senador, que é médico, bem como a do CFM, é
nítida: a preservação e ampliação do mercado (no conceito neoliberal)
do trabalho médico, em função do crescente número de profissionais,
que hoje somam no país 274.855 médicos ativos
(, acessado em 7/11/02).
Esta reserva de mercado não é negada pela instituição médica,
pois na resolução 1.627/01 está explícito:
“Considerando que o campo de trabalho médico se tornou
muito concorrido por agentes de outras profissões, e que os limites
interprofissionais entre essas categorias profissionais nem
sempre estão bem definidos; Considerando que quando da vigência
da Lei nº 3.268/57 existiam praticamente só cinco profissões
que compartilhavam o campo e o mercado [grifo nosso] dos serviços
de saúde (...)”
O trecho acima confirma —tanto no mérito da resolução quanto
do projeto— o desejo da reserva de mercado.
Para confirmar esse fato, analisemos os incisos do artigo primeiro.
Promoção e prevenção à saúde não são práticas exclusivas
de médico para em lei serem definidas como ato médico. Essas ações
podem ser desenvolvidas por inúmeros outros profissionais,
tais como odontólogos, enfermeiros, fonoaudiólogos, psicólogos,
nutricionistas, fisioterapeutas, etc.
A execução de procedimentos terapêuticos (inciso II) também
não só cabe aos médicos, mas também a inúmeros outros profissionais:
enfermeiros, nutricionistas, fisioterapeutas.

O mesmo se repete com a prevenção terciária, disposto no inciso
III do referido projeto.
A definição de ato médico em lei, de maneira unilateral, é a imposição
de uma categoria sobre as demais. E, dependendo do que eventualmente
vier a ser estabelecido em lei, pode dar um caráter autoritário
às relações de trabalho.
Porém, para o médico, essa definição seria uma tentativa da recuperação
da sua autonomia, que por características várias vem sendo
perdida. A recuperação
desta autonomia significa
buscar o poder do controle,
tanto horizontal, ou
seja, dos profissionais da
saúde (enfermeiros, psicólogos,
nutricionistas, fisioterapeutas,
etc.), bem
como verticalmente, que
são os pacientes, os principais
elementos da produção
médica. Ao ampliar
o conceito de ato médico,
reconquistar-se-ia parte
dessa autonomia.
Não se pode debater o ato médico sem a visão da ciência e da tecnologia,
que muito tem avançado e ampliado os instrumentos técnicos
e científicos necessários ao atendimento médico e à produção da saúde.
Esses avanços inserem no mercado de trabalho novos profissionais
técnicos, que atuarão não somente em faixa própria, mas também em
áreas pretensamente médicas. Isso nos leva a aprofundar a reflexão,
pois se a caracterização de ato médico for abrangente, pode levar a um monopólio profissional, impedindo inclusive o conhecimento científico
partilhado.
Pode também o ato médico —por dar mais ênfase a um ou outro
processo tecnológico— contribuir e/ou favorecer o desenvolvimento
de setores da economia, tornando-se extremamente oneroso.
Não se deve esquece que, por mais avançados e modernos que sejam,
os “aparelhos e as instituições, e por mais glamour que tenham,
pertencem à periferia do ato médico” (Londres, L. Roberto, “O Custo
da banalização do Ato Médico”, ,
acesso em 20/11/2002), e dependem de outros profissionais para serem
executados.
O mundo é dinâmico e, em cada período histórico, convivemos
com uma realidade econômica, social e mórbida. Muitas das doenças
do início do século passado atenuaram sua presença ou desapareceram
(como a varíola, por exemplo). Portanto, não só por isso, mas também
por novas tecnologias, muito do que era definido como ato médico
deixou de existir.
O ato médico em si, além de ser impotente para reduzir a morbidade,
também é fator de doenças, como é a iatrogenia —“enfermidade,
impotência, angústia e doença provocada pelo conjunto de cuidados
profissionais constituem uma epidemia mais importante do que qualquer
outra”—, e quem a causou será o responsável pelo seu controle
(Illich, 1975: 14).
Sobre este tema, nada deve ser precipitado, pois são muitos os profissionais
que desejam um debate democrático e um trabalho solidário.
Temos de ir ao encontro das demais categorias, não ao confronto. São
muitos os fatores envolvidos, principalmente econômicos e culturais.
Culturalmente, o médico se mantém ainda na posição de ser um
profissional autônomo, independente e liberal. E é nessa posição que
ele quer defender o ato médico.

Segundo Illich, a definição de ato médico aparece no “vocabulário
da previdência social e designa uma prestação profissional codificada
no quadro de uma nomenclatura de prestação de serviços que proporcionam
remuneração. Na base está a introdução de um conceito financeiro,
apesar de forte resistência dos médicos contrários à parcelização
de sua atividade. Por extensão, tornou-se um ato que somente o médico
ou outros determinados profissionais de saúde são considerados
capazes de efetuar. O termo ganhou conotação jurídica: ato médico é
aquele reservado, pela vontade do legislador, a certos membros autorizados
das profissões sanitárias” (Illich, 1975: 14).
Devemos fugir dessa concepção para realizarmos o debate, pois o
tema é explosivo, embora atraente, uma vez que não existe uma definição
majoritária de ato médico. Se sairmos perguntando a quaisquer
pessoas ou a médicos, o que é ato médico, invariavelmente responderão
que são os atos realizados por médicos. Ou seja, nada definem.
Grisard diz que “o ato médico é virtual; ele só existe quando um
médico o faz existir” (Manual de Orientação Ética e Disciplinar,
, acesso em 20/11/2002), e é assim que
temos que vê-lo, para construirmos uma nova sociedade.
Mais importante que qualquer parâmetro legal que estabeleça o que
é “ato médico”, perante o avanço tecnológico e as inúmeras profissões
que surgiram, é debatermos um novo código com o objetivo de garantir
os direitos de cidadania a todos, de relacionamento entre todos os
profissionais da saúde.
Afinal, sabemos que o avanço de um sistema de promoção à saúde
e construção da cidadania depende muito mais de atuação coletiva
(atos pela cidadania) dos profissionais do que do individualismo do
ato médico.

P U B L I C A Ç Ã O D O M A ND A T O D O D E P U T A D O F E D E R A L D R . R O S I NH A

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